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quarta-feira, 2 de março de 2011

Eu vou embora dessa casa...


Existe alguma coisa pior do que ter quatro anos e brigar com o pai?

Existe: é ser pai e brigar com o filho de quatro anos. Mas isto a criança só descobre depois de muitos anos.

Para um garoto de quatro anos, brigar com o pai, ou com a mãe, significa romper com o mundo. Uma ruptura aliás freqüente, porque há poucas coisas que um guri goste mais de fazer do que brigar. Ele briga porque quer comer e porque não quer comer; porque quer se vestir ou porque não quer se vestir; e porque não quer tomar banho, não quer dormir, não quer juntar as coisas que deixou espalhadas pelo chão. E porque quer uma lancha com pilhas, e uma bicicleta, e uma nave espacial _ de verdade. Todas estas coisas geram bate-boca, ao final do qual o garoto diz, ultrajado:

- Ah, é? Pois então...

Pois então o quê? Um país pode ameaçar outro com mísseis, ou com marines, ou com bloqueio; um adulto diz que vai quebrar a cara do inimigo; mas, um garoto, pode ameaçar com quê? Com o único trunfo que eles têm:

- Eu vou-me embora desta casa!

Ao que, invariavelmente, os pais respondem: vai, vai de uma vez. Ué, mas não seria o caso deles suplicarem, não meu filho, não vai, não abandona teus velhos pais? Meio incrédulo, o guri repete:

- Olha que eu vou, hein?

Vai, é a dura resposta. E aí o menino não tem outro jeito: para salvar sua honra (e como têm honra, os garotos de quatro anos!) ele tem de partir. Começa arrumando a mala: numa sacola de plástico, ele coloca os objetos mais necessários: um revólver de plástico, os homenzinhos do Playmobil (aos quatros anos, o Kit de sobrevivência é notavelmente restrito).

Enquanto isto, os pais estão jantando, ou vendo TV, aparentemente indiferentes ao grande passo que vai ser dado. O que só reforça a disposição do filho pródigo em potencial: esses aí não me merecem, eu vou-me embora mesmo.

Mas, para onde? para onde, José? Manuel Bandeira podia ir para Pasárgada, onde era amigo do rei; aos quatro anos, contudo, a relação com a realeza é muito remota. O guri abre a porta da rua (essas coisas são mais dramáticas em casa do que em apartamentos); olha para fora; está escuro, está frio, chove. Ele hesita; está agora em território de ninguém, tão diminuto quanto o é a sua independência. Ir ou não ir? Nem Hamlet viveu dilema tão cruel. Lá de dentro vem um grito:

- Fecha essa porta que está frio!

Esta é a linha dura (pai ou mãe). Mas sempre há um mediador - pai ou mãe - que negocia um recuo honroso:

- Está bem, vem para dentro. Vamos esquecer tudo!

O garoto resiste, com toda a bravura que ainda lhe resta. Por fim, ele volta, mas sob condições: quando o pai for ao Centro, ele trará um trem elétrico, desde que não seja muito caro, naturalmente. A paz enfim alcançada, o garoto volta para dentro. Até a próxima briga. Quando, então:

- Eu vou-me embora desta casa!


(Esse texto me fez lembrar de meu filhote de 4 anos - Sam ... que de quando em vez nos surpreende com suas falas e seu portugues dito tão corretamente para a idade.)



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